quarta-feira, 30 de março de 2011

Pesquisas com animais: necessidade com responsabilidade

Clóvis de Paula Santos*

Você já parou para pensar como são produzidos os medicamentos ou equipamentos usados em hospitais ou clínicas no diagnóstico ou tratamento de inúmeras doenças? Se ainda não, é importante saber que, em alguma etapa do seu método de desenvolvimento, houve a utilização de animais, quer seja diretamente na pesquisa, ou para se avaliar a qualidade do produto a ser utilizado.

O uso de animais para fins científicos é uma prática adotada há séculos. Há registros que antecedem a Jesus Cristo, como o do filosófo grego Aristóteles (384 - 322 a.c.), que em seus estudos estabelecia semelhanças e diferenças funcionais e de conformação entre órgãos de animais e de seres humanos. Desde este momento inicial, com caráter mais descritivo, é notória a evolução das pesquisas utilizando animais. Hoje se reconhece que, sem isso, não teria sido possível chegarmos a todo o conhecimento dos mecanismos dos processos vitais, bem como ao aperfeiçoamento dos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças existentes e daquelas que irão surgir — tanto na medicina humana quanto na veterinária.

Um bom exemplo do quanto este conhecimento nos ajuda em nosso dia a dia — sem que muitas vezes nos demos conta — são as doenças cardiovasculares, que afetam milhões de pessoas no mundo inteiro. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, este grupo de doenças — que inclui o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC) — está entre as principais causas de óbito.

Pois bem, muito provavelmente você já ouviu falar em eletrocardiograma, cateter, angiograma, desfribrilador etc. Estas são algumas das metodologias de diagnóstico para avaliar o estado de funcionamento do coração ou sua recuperação e foram desenvolvidos tendo-se como base estudos, sobretudo em cães.

Outro exemplo é o tratamento do câncer. Para se ter uma ideia, na década de 1930, para cada cinco vitimas da doença, menos de uma tinha sobrevida de cinco anos. Hoje em dia quase metade das pessoas diagnosticadas sobrevive mais de cinco anos e, em muitos casos, nunca mais a doença reaparece. As galinhas foram um dos primeiros modelos para se explicar como o câncer cresce e se espalha. O uso de quimioterapia, radiação e cirurgia, que são métodos de tratamento, foram desenvolvidos sobretudo em camundongos, ratos, cães, macacos, dentre outros animais. As vacinas ou medicamentos que utilizamos são também outro bom exemplo. Antes que possam ser comercializados, tais produtos devem obrigatoriamente ter sua qualidade testada em animais. Portanto, devemos reconhecer que os animais foram e continuam sendo muito importantes para o desenvolvimento científico na área de medicina.

Para evitar o uso de animais de maneira indiscriminada e sem critérios éticos, existem hoje regras a serem seguidas, mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo, existiu a visão de que não deveríamos ter nenhuma preocupação moral a respeito do uso dos animais em experiências científicas. Contudo, esta concepção vendo sendo alterada principalmente a partir do século 18. Algo extremamente relevante em relação aos aspectos éticos da experimentação são os princípios propostos por dois cientistas, Russel e Burch, em 1959. Segundo eles, o caminho da investigação cientifica deve se basear em três “R”: Replacement (substituição), Reduction (redução) e Refinement (refinamento). Ou seja, sempre que for possível, deve haver a substituição de animais por sistemas não sensíveis, tais como cultura de tecidos ou uso de plantas. A redução do uso de animais poderia ser conseguida pelo uso de experimentos bem desenhados e métodos estatísticos apropriados. Os procedimentos experimentais poderiam ser melhorados pelo refinamento dos métodos usados, tais como o uso de procedimentos menos estressantes ou animais mais baixos na escala evolutiva.

Além de critérios éticos, o uso de animais na ciência esta sujeito a questões legislativas. A Inglaterra foi um dos países pioneiros a criar e aperfeiçoar as leis regulando o uso de animais. Hoje em dia grande parte dos países tem a preocupação de regulamentar o uso de animais criados para experimentação e possui legislação semelhante à inglesa.

Recentemente o Brasil pôde enfim ter uma lei federal estabelecendo procedimentos de conduta para o uso científico de animais. A lei 11.794, de 08 de outubro de 2008, também denominada Lei Arouca, em homenagem ao falecido deputado Sérgio Arouca, foi regulamentada em julho do ano passado através do decreto 6.899/09. Estão previstas nesta legislação a criação, composição e funcionamento de um órgão em nível federal ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, já funcionando, denominado Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). A criação ou utilização de animais para pesquisa ficarão restritas, exclusivamente, às instituições credenciadas junto ao devido conselho, ficando o credenciamento dependente da criação prévia de uma Comissão de ética no uso de animais (Ceua). Além disto, estão sujeitas a penalidades como advertência, multa, suspensão, interdição temporária e definitiva aquelas instituições ou pessoas que transgredirem atividades reguladas nestas leis.

Muitas instituições há anos antecederam a regulação da Lei Arouca e já contam com os comitês de éticas institucionais. Na UENF a Ceua foi instituída em 2002. Nestes oito anos de funcionamento, 124 projetos foram submetidos e, deste total, 99 foram avaliados, 16 estão em avaliação e oito foram cancelados. Dos avaliados, cinco caducaram, um foi reprovado e os demais foram aprovados. Os projetos abrangem diversas áreas, como Anestesiologia, Bem-Estar Animal, Cirurgia: Transplante, Aperfeiçoamento de Metodologias, Comportamento Animal, Farmacologia, Imunologia/Diagnóstico, Morfologia/Anatomia, Parasitologia, Parasitologia/Bioquímica, Parasitologia/imunologia, Reprodução, Terapia Celular, Nutrição, Virologia, Biologia Molecular e Patologia Clínica.

Embora já com este tempo de funcionamento, a maioria (80%) destes processos vem tramitando de 2008 para cá. Recentemente, recebemos apoio da FAPERJ. Com isto será possível adquirir e mobiliar um espaço cedido pela Reitoria e contratar serviço para desenvolvimento de base de dados e interface para gestão de projetos sob deliberação da Ceua. Desta maneira acreditamos que a comissão estará melhor estruturada para um pleno funcionamento.

(Artigo publicado na Revista Nossa UENF, nº 02, agosto/setembro de 2010)

* Professor e pesquisador do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) da UENF e presidente da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UENF.


Convivendo com o inimigo - Coevolução entre patógenos e humanos

Andrea C. Vetö Arnholdt*

Staphylococcus
Temos a tendência a achar que a ciência e a tecnologia, no formato em que se encontram agora ou em que se encontrarão em 20 anos, poderão resolver a maior parte dos problemas de saúde enfrentados pela humanidade, particularmente aqueles ligados a doenças causadas por micro-organismos patogênicos. No entanto, vários destes organismos, chamados aqui de parasitas ou patógenos, convivem com a espécie humana há pelo menos quatro milhões de anos, desde o paleolítico. Naquele período as populações humanas eram pequenas, viviam dispersas, e eram caçadoras-coletoras. Contudo, já carregavam consigo parasitas que coevoluiram com seus ancestrais pré-hominídeos tais como o piolho (Pediculus humanus), os helmintos Enterobius vermicularis e Trichuris trichiura (causadores da oxiurose e tricuriose, respectivamente, parasitoses do cólon terminal, reto e intestino grosso). Ascaris lumbricoides e Ancylostoma duodenale são também helmintos que coevoluíram com nossos ancestrais.

O parasita unicelular causador da malária (Plasmodium falciparum), juntamente com outros protozoários intracelulares como Trypanosoma gambiense (causador da doença do sono) e as bactérias Salmonella enterica (diarreia), Salmonella thyphimurium (febre tifoide), Staphylococcus epidermis ou saprophyticus (relacionados a piodermatite e infecções do trato urinário feminino, respectivamente), também parecem ser herança dos pré-hominídeos, embora sua comprovação requeira estudos moleculares mais aprofundados. Existe uma parte da parasitologia dedicada à identificação destas relações, chamada Paleoparasitologia, que é extremamente interessante e na qual o Brasil se destaca em estudos realizados na Fiocruz e na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp).

Com o domínio da agricultura no Neolítico, houve uma mudança nos hábitos alimentares e de deslocamento, tornando as populações sedentárias e paradoxalmente, em termos nutricionais, mais pobres, em decorrência da falta de diversidade de sementes e caça que antes era encontrada durante o deslocamento de uma dada tribo.  Estes assentamentos trouxeram maior proximidade entre os seres humanos e animais. Progressivamente, problemas ligados às condições sanitárias destas comunidades passaram a se acumular. Surgem nesse período as zoonoses, causadas por micro-organismos que têm como hospedeiros (alvos) primários animais e apenas eventualmente infectam humanos. Estes podem ser infectados através de picadas de inseto, ingestão de carne de animais contaminada ou através da contaminação de mordidas infligidas por outros animais. Estão entre as zoonoses que atingiram as populações agrícolas durante o estabelecimento das primeiras cidades no velho mundo a fasciolose (Fasciola hepatica, transmitida pelo porco, pela cabra); a “tênia do peixe” Diphyllobothrium latum; Taenia sp (transmitida pelo boi ou pelo porco); entre muitas outras. Diversas infecções bacterianas se propagaram na espécie humana quando da domesticação de animais para a produção, tais como brucelose, antrax, tuberculose. Estas práticas iniciais da agroprodução já geravam surtos de expansão de mosquitos como o Anopheles gambie, transmissor da malária, em função do desequilíbrio causado pelas queimadas para a colheita e pela geração de reservatórios de água parada.

O desenvolvimento de centros urbanos trouxe o agravamento dos problemas sanitários e de abastecimento de água, e com eles surtos de cólera, de tifo, da peste negra, doenças de origem bacteriana. Doenças virais, antes raras, passaram a circular na população, dada a concentração de indivíduos em grandes populações (acima de um número mínimo de indivíduos para a manutenção da doença em termos transmissionais), tais como sarampo, caxumba, catapora, e a varíola. Esta última foi a primeira doença completamente eliminada em sua transmissão endêmica através de campanhas de vacinação. O último caso relatado foi no Sudão, África, em 1977.

O exemplo do vírus do sarampo é bastante ilustrativo para entendermos como estes patógenos, originalmente encontrados em animais domésticos, podem se diferenciar e se tornar característicos da espécie humana. Pesquisas recentes sugerem que este vírus, do gênero Morbillivirus, teve os primeiros surtos epidêmicos datados dos séculos 11 e 12. Análises genéticas e antigênicas mostram que este vírus, chamado aqui de MeV, é muito semelhante ao vírus da peste bovina (chamado de RPV), e o convívio em proximidade entre humanos e bovinos foi o promotor da sua adaptação ao homem. Na arquitetura pré-medieval e medieval, não raro havia nichos internos nas casas para o os animais, já que estábulos eram encontrados apenas nas propriedades mais abastadas. Graças ao avanço das tecnologias de sequenciamento gênico e das análises em bancos de dados através de diferentes plataformas e softwares, é possível fazermos uma regressão evolutiva, chamada de “molecular clock analysis”, que, baseada nos padrões fenotípicos de amostras virais coletadas em diferentes períodos, ou de diferentes vírus, é capaz de converter a distância genética em tempo. Assim, pode-se chegar ao “período do ancestral comum mais recente” (TMRCA) estimado para o vírus do sarampo circulante hoje, que data aproximadamente de 1943. Com esta técnica, foi estimado que os vírus MeV e RPV divergiram entre os anos de 1074-1171. Contudo, não é eliminada a hipótese de que tenha havido um ancestral comum, que tenha então originado o vírus humano e o bovino.

Nestes muitos anos de coevolução, micro-organismos também serviram e servem como reguladores do sucesso da espécie humana. Alguns pensadores argumentam que indivíduos debilitados de alguma maneira são mais susceptíveis a infecções, e que sua eliminação seria parte do processo de manutenção de um estoque genético saudável. Dessa forma, o ser humano adapta o seu sistema imunológico à eliminação do patógeno. Há, porém, exemplos de patógenos extremamente bem sucedidos evolutivamente, como o Toxoplasma gondii. Este parasita intracelular infecta o hospedeiro, levando a princípio danos controlados a este, mantendo-se no indivíduo após o período inicial de infecção aguda, em uma relação de equilíbrio parasita-hospedeiro. Através de diversas estratégias de escape do sistema imunológico, o T. gondii se mantém na população, sem destruí-la. Existe uma corrente de pensamento que atribui à eliminação de diversos helmintos em populações humanas dos países desenvolvidos o aumento de doenças crônico-degenerativas de cunho imunológico, como as doenças de Crohn e a esclerose múltipla. Modelos experimentais de indução destas doenças em camundongos mostram que a administração de ovos de helmintos leva a uma diminuição da severidade das reações autoimunes causadoras destas patologias.  Sendo assim, será que poderíamos considerar alguns dos patógenos que coevoluiram com os hominídeos primitivos, e que são presentes até hoje na espécie humana, como nossos simbiontes?

As epidemias e pandemias

O aumento da mobilidade das populações humanas, o estabelecimento de rotas comerciais, a revolução industrial e as grandes guerras foram os principais responsáveis pela disseminação de bactérias e vírus em escalas pandêmicas, isto é, com características de epidemias que atingem um ou mais continentes. O melhor exemplo de pandemia são as infecções pelo vírus Influenza, causador da gripe. Apesar de os primeiros relatos de pandemias de gripe datarem de 1889 com a gripe asiática (Influenza subtipo H2N8), e de 1918 (Influenza subtipo H1N1) com a gripe espanhola (a mais conhecida, com um saldo de mortes de aproximadamente 50 milhões de pessoas), há evidências históricas de que o vírus é responsável por surtos epidêmicos desde a Idade Média. A mais recente pandemia foi a de 2009, quando o H1N1 se espalhou por todos os continentes, tendo origem no México. Porém, mesmo com milhões de casos reportados, apenas 16.813 mortes foram oficialmente documentadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O vírus Influenza é um vírus capaz de manter-se tanto em populações humanas quanto em populações animais. Na verdade, a “gripe suína” é uma herança da diferenciação da forma humana do vírus H1N1, que no início do século 20 saltou do homem para o porco, dando origem a duas linhagens de H1N1, uma humana e uma suína. O vírus H1N1 humano continuou circulando após a pandemia de 1918, e em 2009 atingiu escalas pandêmicas novamente.

Já a gripe aviária, causada pelo vírus Influenza subtipo H5N1, parece ter tido sua origem através da mistura dos genes do vírus humano e do vírus aviário. As aves, especialmente as aves aquáticas selvagens, são reservatórios de todos os subtipos de Influenza já identificados. O surto de gripe aviária teve origem na China, e até o presente se espalhou por 60 países causando cerca de 280 mortes. Porém, o vírus continua circulando em aves, tanto selvagens quanto de cativeiro, podendo transmitir-se para mamíferos, contaminando ocasionalmente alguns indivíduos. Mas não é transmitida ainda de humano para humano, o que o mantém sob controle. No entanto, os virologistas ainda não têm claro como se dão estes saltos de animais para humanos, e como o vírus se adapta para escapar da resposta imunológica do hospedeiro humano. Vários são os grupos que se dedicam a estes estudos, com o intuito de prever ou pelo menos minimizar os efeitos de uma pandemia eventualmente causada pelo H5N1.

O vírus HIV também é resultado de um salto entre espécies. Estudos realizados em Los Alamos, no Novo México, utilizando supercomputadores para a análise de mais de 160 subtipos de HIV do início dos anos 2000, mostram que dez dos onze subtipos M de HIV são oriundos de um único ancestral comum, num padrão característico de adaptação de uma espécie para outra. Estes estudos datam esta divergência entre 1910 e 1930. Porém, de que modo o vírus saltou dos chimpanzés para o homem não é inteiramente sabido ainda. Existem sugestões de que o desmatamento de regiões de floresta para dar lugar a fazendas, o hábito de aprisionar, de vender animais empalhados e até de comê-los são condições favoráveis para esta adaptação de uma espécie para a outra.

A tecnologia a favor do patógeno

Nas últimas décadas, temos presenciado o surgimento e ressurgimento de patógenos que, graças ao uso indiscriminado de antibióticos, apresentam características de resistência a múltiplas drogas. Existem cepas de Mycobacterium tuberculosis , bacilo causador da tuberculose, caracterizadas como resistentes a drogas de primeira linha, rifampicina e isoniazida, as MDRs e cepas resistentes a drogas de segunda linha como etambutol e piraziamida, conhecidas como XDR (extremamente resistentes). O tratamento para a tuberculose é um tratamento lento, de seis meses ininterruptos de administração diária de doses controladas de medicamento. Infelizmente, após algumas semanas de tratamento, o paciente sente uma melhora considerável e abandona o tratamento sem que tenham sido eliminadas todas as bactérias. Este comportamento favorece o crescimento das bactérias que sobreviveram à administração do antibiótico, ou seja, as resistentes. Estas bactérias resistentes àquele determinado antibiótico permanecem no indivíduo e contaminam outros indivíduos que, ao utilizarem aquele antibiótico, não serão capazes de eliminar estas micobactérias.  São estimados meio milhão de casos de MDR e XDR em cerca de 46 países em todo o mundo. No entanto, presume-se que estes números sejam subestimados, uma vez que são necessárias ferramentas de diagnóstico molecular disponíveis para a correta identificação do bacilo resistente.

O mais recente caso de resistência a antibióticos está sendo noticiado neste momento: a superbactéria KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase). É uma cepa modificada de K. pneumoniae que apresenta uma enzima em um plasmídio, uma beta-lactamase capaz de hidrolisar derivados carbapenêmicos. Estes plasmídios são transferidos de geração para geração de bactérias, e hoje já são observados em Israel, China, Taiwan, Grécia, Estados Unidos e, mais recentemente, no Brasil. Alguns isolados de K. pneumoniae da Grécia são resistentes a todos os -lactâmicos e combinações de inibidores de -lactamases (ampicilina, ampicilina/sulbactam, amoxicilina/acido clavulânico, cefalosporina, piperaciclina, ciprofloxacina, entre outros).

A saúde (ou a doença) globalizada

Estes exemplos mostram que a evolução da ciência nas últimas décadas é capaz de esclarecer muitos detalhes sobre a evolução da relação patógeno-hospedeiro. É capaz de desenvolver ferramentas de diagnóstico precisas e medicamentos capazes de conter a disseminação de vários dos micro-organismos que são problemas de saúde pública. Porém, falhas no sistema de saúde, promovendo o uso indiscriminado de antibióticos, e mais grave ainda, a falta de acesso igualitário à saúde em um mundo globalizado contribuem para a permanência destes patógenos nas populações humanas e em seus reservatórios. O último relatório da OMS sobre os fatores de risco globais para a saúde estima que dois milhões de crianças com idade inferior a cinco anos morrem por ano em consequência da má nutrição e da falta de acesso à água tratada. Obviamente que tais condições são principalmente observadas em países de baixa renda, fazendo com que, dos 17% das mortes por diarreia no mundo, 73% delas aconteçam nestes países. Para as mortes por sarampo, doença para a qual existe uma vacina extremamente eficaz, dos 4% mundiais, 47% dos casos de morte ocorrem em países de baixa renda, onde a cobertura vacinal é de apenas 60% da população. Aliado a estes índices, está a distribuição precária de medicamentos na rede pública, que atende a apenas 44% da população.

Outro estudo da OMS mostra que, em cenários de mudança climática tendendo à estabilização da emissão de CO2 em 750ppm, os custos do tratamento de doenças como a diarreia e a malária chegarão, em 2030, a 4-12 bilhões de dólares. Isto é aproximadamente o gasto de todo o mundo em assistência médica. É necessário que os governos entendam a saúde sob a perspectiva global de adaptação e transmissibilidade de micro-organismos e entendam a característica globalizada da saúde. É preciso que entendam que a manutenção de um mundo saudável reside não apenas no conhecimento das interrelações entre humanos e patógenos, mas nas condições igualitárias de acesso a informação e a base econômica necessária a este estado de equilíbrio.

(Artigo publicado na Revista Nossa UENF, nº 01, junho/julho 2011)

* Professora e pesquisadora do Laboratório de Biologia do Reconhecer (LBR) da UENF