quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Coluna Infinitum


As contribuições de Hiparco para a astronomia



Adriana Oliveira Bernardes
adrianaobernardes@uol.com.br


Não há como falar na história da astronomia e não lembrar da contribuição de Hiparco. O grego, nascido no século II a.C. em Nicéia, possui títulos interessantes. Teria sido considerado “pai da trigonometria” ou “pai da astronomia”? Bom, na verdade, não importa. Sua contribuição foi gigantesca e a aplicação da trigonometria à astronomia é enorme.

A origem da trigonometria, área a que Hiparco deu grande contribuição, é incerta, mas surgiu devido  a problemas do dia a dia, relacionados com astronomia, agricultura, entre outras áreas.

Hiparco foi um astrônomo e matemático que fazia parte da escola de Alexandria, juntamente com Aristarco, Eratóstenes e Ptolomeu, outros grandes filósofos gregos. Foi ele quem criou a primeira tabela trigonométrica, que auxiliaria muito nos cálculos de astronomia realizados na época.

Hoje em dia, temos conhecimento das grandes dificuldades dos alunos nas áreas de ciências e matemática. O Pisa, exame internacional de alunos, que ocorre de dois em dois anos, coloca o Brasil entre os últimos colocados nestas áreas.

Mas há uma pergunta que sempre me ocorre: por que este desinteresse tão grande dos alunos pela área? Não seriam os recursos utilizados pelos professores um fator importante neste caso?

Sabemos que as aulas expositivas são o recurso mais utilizado por professores, não só da área de exatas, como também de humanas e saúde. Porém, vivemos num mundo tecnológico e acaba tornando-se difícil para os alunos aprender da mesma forma que se fazia há 200, 300 anos. Ora, o ensino deve estar centrado no aluno, não no professor. Uma aula expositiva é centrada no professor e isto prejudica e muito o aprendizado.

Muita vezes nem mesmo uma aula “dialogada” é possível. Muitos temem que uma possível interação os leve a assuntos que não dominam.

Toda esta situação absurda acontece nas escolas. A visão do professor como um orientador de estudos ainda permanece distante, mas é para isto que o professor está na escola.  Na era do conhecimento, saber tudo é praticamente impossível.

A história da matemática, por exemplo, é incrivelmente motivadora ao aprendizado desta disciplina, mas poucos a utilizam como recurso em sala de aula.

Ilustração de Hiparco de Nicéia

Falar sobre Hiparco, o mundo em que viveu e sua motivação para desenvolver seu trabalho seria importantíssimo num curso de trigonometria. Entre outras coisas, Hiparco foi o responsável pela elaboração de um catálogo de estrelas, o mais completo da Antiguidade. O objetivo deste catálogo era servir aos estudos dos astronômos de sua época. Assim, se alguém precisasse consultar a existência ou não de uma estrela poderia com sucesso verificar no catálogo que criou.

Sua ideia era que todas as estrelas deveriam constar num catálogo. Uma grande motivação para isto foi o fato de em 34 A.C. ter aparecido na constelação do Escorpião uma nova estrela no céu.
Neste mapa, Hiparco utilizou o mesmo método utilizado por outro fantástico matemático, Eudoxo de Cnidos, para localizar estrelas. Tratava-se de um método muito conhecido — o de localização por latitude e longitude —, que depois foi adaptado à Terra.

Apesar de todo este trabalho fantástico, Hiparco não acreditava nas ideias de Aristarco de Samos, o primeiro a idealizar um sistema planetário heliocêntrico.

Modelo Geocêntrico do sistema solar, no qual acreditava Hiparco.


Desde aquele tempo, já se pensava na razão entre os tamanhos da Terra e da Lua, da Terra e do Sol. Foi assim que Aristarco de Samos, através da lógica, cogitou que, sendo o Sol tão maior que a Terra, não poderia ele orbitá-lo, devendo ser o contrário.

Apesar do fato, seu trabalho é fantástico e deveria ser levado a alunos de ensino médio para motivá-los ao aprendizado de matemática, e quem sabe, também ao aprendizado da astronomia.

SUGESTÃO DE SITE:

Site do Observatório Nacional, que oferece cursos de astrofísica ao público em geral. Num deles é abordado o trabalho de Hiparco.

http://www.on.br

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dengue: corrida pela vacina

Para pesquisadora da UENF, resultados divulgados pelo laboratório francês Sanofi Pasteur ainda estão longe do ideal; primeiras vacinas só devem sair em 2015.

Mosquito Aedes aegypti
Em quanto tempo poderemos contar com uma vacina contra a dengue? O estudo publicado recentemente pelo laboratório francês Sanofi Pasteur no periódico médico The Lancet é realmente promissor? Para a professora Marílvia Dansa, que estuda o mosquito da dengue na UENF, a eficácia de 30% desta vacina — embora seja muito boa em termos de pesquisa — ainda está muito longe do ideal. Ela acredita que ainda falta muito para que uma vacina contra a dengue se mostre realmente eficaz e venha a ser comercializada.

— O desenvolvimento de uma vacina passa por várias etapas e cada uma delas demora alguns anos. A vacina da Sanofi Pasteur encontra-se na fase 2b (de um total de quatro fases). É a que se encontra em estágio mais avançado de investigação — explica.

Segundo Marilvia, existe atualmente uma corrida pela vacina envolvendo diversos laboratórios em todo o mundo. Além do Sanofi-Pasteur, há uma vacina sendo desenvolvida pelo laboratório alemão Merck. No Brasil, há vacinas sendo pesquisadas no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz (Bio-Manguinhos) — em parceria com a GlaxoSmithKline, utilizando vírus mortos — e no Instituto Butantan, com vírus geneticamente modificados.

— Nos últimos anos, o Brasil tem participado ativamente da pesquisa em dengue. Temos várias iniciativas, como o Instituto Virtual da Dengue e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Entomologia Molecular - INCT-EM. Além disso, temos um programa de monitoramento de resistência a inseticidas que é modelo para vários países. Isso é resultado de um esforço dos governos nos diferentes níveis em incentivar a pesquisa na área — afirma a professora, enfatizando a importância da continuidade das políticas públicas para que se possa obter resultados efetivos.

No entanto, são muitas as dificuldades a serem superadas para se obter uma vacina segura. Uma delas, e talvez a mais importante, segundo Marílvia, é a questão dos sorotipos. Existem quatro sorotipos de dengue, chamados DENV 1, 2, 3 e 4. Se uma pessoa já adquiriu um deles,  a infecção por outro sorotipo tende a ser mais agressiva e pode levar à morte. Isso significa que a população não pode ser imunizada apenas contra um sorotipo; é preciso  imunizá-la simultaneamente contra os quatro sorotipos, ou seja, a vacina tem que ser tetravalente. Para Marílvia, as primeiras vacinas só devem ficar prontas a partir de 2015.

Na UENF, há vários grupos desenvolvendo pesquisas em dengue. Uma das linhas de pesquisa tenta isolar princípios vegetais com atividade inseticida e antiviral. Outra linha trabalha com fungos entomopatogênicos, ou seja, fungos que causam doença em insetos, e sua ação sobre o Aedes aegypti.  Existe ainda uma linha de pesquisa que estuda o papel de bactérias simbiontes do intestino do inseto e sua ação sobre a infecção por dengue (o termo ‘simbionte’ significa um organismo que vive associado a outro, sendo que cada um deles proporciona ao outro alguma facilidade. Neste caso, o mosquito oferece abrigo e alimento e a bactéria produz algumas vitaminas e aminoácidos sem os quais o mosquito morreria).

— No LQFPP,  há alguns anos estamos estudando a interação entre o vírus da dengue e o mosquito Aedes aegypti. Mapeamos as populações naturais do mosquito quanto à sua suscetibilidade ao vírus, entre outros estudos — explica a professora.

Veja mais informações aqui.

Thaís Peixoto
Fúlvia D'Alessandri

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Critério religioso na escolha do candidato

Pesquisa mostra que pentecostais tendem a utilizar parâmetros religiosos em todas as áreas da vida, inclusive na política

Você leva em consideração a religião do seu candidato na hora de decidir o voto? Essa foi uma das perguntas levantadas pela pesquisa de doutorado efetuada pelo jornalista Gustavo Smiderle no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UENF. Em um contexto de sociedade moderna e Estado laico, a resposta mais esperada para essa pergunta seria “não”, mas a realidade encontrada pelo pesquisador foi um pouco diferente.

É de conhecimento geral que as igrejas evangélicas pentecostais disseminam um estilo religioso com ênfase na emoção e em milagres, usam de uma leitura mais literal da Bíblia e tendem a explicar bons e maus acontecimentos do mundo pela batalha entre o céu e o inferno. Segundo a pesquisa, que teve vertentes quantitativa e qualitativa, é neste grupo da população que se encontra o maior número de pessoas que consideram mais importante a crença em Deus, por exemplo, na hora de escolher um candidato. O trabalho foi orientado pelos professores Sergio de Azevedo e Wania Mesquita, do CCH/UENF.

A pesquisa utilizou dados de questionários aplicados em Campos (2008) e em Macaé (2009) e ainda informações levantadas anteriormente pelo “Observatório das Metrópoles” nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Natal. Em Campos e Macaé, o questionário incluiu questões para avaliar a importância que os eleitores atribuem a critérios religiosos na escolha dos candidatos, o que pôde ser cruzado com a pertença religiosa do entrevistado. Os resultados indicaram que os que se declararam evangélicos pentecostais ou católicos carismáticos – a vertente pentecostal do catolicismo – davam mais importância a parâmetros religiosos.

— Um governante evangélico atrairia bênçãos para o país enquanto um governante “pecador” acarretaria consequências negativas — afirmou um pastor entrevistado na fase qualitativa da pesquisa, intitulada 'Modernidade mágica: o pentecostalismo brasileiro 100 anos depois'.


De acordo com o estudo, os praticantes das religiões evangélicas pentecostais tendem a analisar toda a realidade pelo filtro de categorias religiosas. Não só na política ou na eleição, mas em todas as áreas da vida. Segundo esta visão de mundo, a maioria do que acontece na Terra é reflexo da batalha espiritual entre Deus e Satanás. Isto pode ser aplicado a fatos como perda de emprego, problemas conjugais ou doenças não diagnosticadas: tudo isto seriam obras de entidades malignas que se aproveitam das fraquezas humanas.

- Trabalhamos com a noção de pentecostalização e vimos que onde ela é mais forte o indivíduo fica mais exposto à possível influência das lideranças religiosas sobre suas decisões eleitorais – resume Gustavo Smiderle, que contou com a colaboração do professor Vitor Morais Peixoto e do então mestrando Marcus Cardoso na tabulação dos dados.

Veja artigo sobre a pesquisa publicado na Revista Religião e Sociedade.

Ana Clara Vetromille



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Coluna Nutrição



O consumo de sal e suas implicações 
na saúde  e na qualidade dos alimentos

Karla Silva Ferreira e Selma Bergara Almeida*

A hipertensão arterial constitui um dos problemas de saúde de maior prevalência na população mundial, atingindo, no Brasil, aproximadamente 35% da população acima de 40 anos. Isso representa, em números absolutos, um total de 17 milhões de portadores da doença, segundo estimativa de 2004 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), e 22% da população acima de 20 anos. Além disso, a enfermidade é responsável, segundo o Ministério da Saúde, por 80% dos casos de acidente cérebrovascular (AVC), 60% dos casos de infarto agudo do miocárdio e 40% das aposentadorias precoces, correspondendo, portanto, a um problema de saúde pública.

A associação entre o aumento da pressão arterial e o consumo de sal é cientificamente comprovada. Assim, o tratamento medicamentoso, com o uso de anti-hipertensivos, aliado ao não medicamentoso, com controle da ingestão de sal na dieta, é normalmente recomendado pelos profissionais de saúde.  Esses tratamentos consideram a presença de comorbidades e as características individuais dos pacientes e visam à redução da pressão arterial a valores inferiores a 140 mm Hg de pressão sistólica e 90 mm Hg de pressão diastólica — popularmente, uma pressão arterial de “14 por 9".

O sódio e o potássio são minerais essenciais para a regulação dos fluidos intra e extracelulares, atuando na manutenção da pressão sanguínea. A necessidade diária de sódio de um adulto é de 300-500 miligramas. A maior parte dos indivíduos, mesmo as crianças, consome níveis deste mineral além de suas necessidades. O sal de cozinha – cloreto de sódio – é composto de 40% de sódio (Na), sendo a principal fonte do mineral na alimentação. No entanto, segundo recomendações da American Heart Association, pacientes com doença cardíaca devem limitar a ingestão de sódio para menos de 200 mg/dia.


Considerando os efeitos maléficos do consumo de sódio, por que o ser humano não deixa de adicioná-lo aos alimentos, uma vez que estes já o contêm naturalmente? São muitos os fatores envolvidos nessa questão. Na verdade, tanto na culinária doméstica como para produtos industrializados, conforme a quantidade utilizada, o sal auxilia na conservação do alimento, pois diminui a água disponível para a ocorrência de reações químicas, ação de enzimas e atividade de microrganismos (bactérias, fungos, ou leveduras) que podem deteriorar o alimento ou trazer prejuízos à saúde do indivíduo. Além disso, o cloreto de sódio também contribui para o sabor dos alimentos, geralmente atuando de forma sinérgica com outras substâncias do produto, realçando ou suprimindo gostos ou sabores pelos quais são responsáveis. Nos alimentos processados, o sal tem função na formação da estrutura dos produtos, como na produção de salsichas, mortadelas e embutidos de forma geral, contribuindo para as características de formato, textura (por exemplo, suculência, maciez, desidratação) e aparência, dentre outras.

Mais um fator a se considerar é que o nível de adição de sal nos alimentos depende dos hábitos alimentares da população de cada país ou região. Em alguns países orientais ou europeus, o sal é adicionado na culinária em níveis baixíssimos, enquanto em outros, o inverso acontece. Mesmo nas várias regiões do Brasil, há diferenças no costume de adição de sal na dieta. Por essas razões, existe grande dificuldade em abolir totalmente a adição do sal da dieta humana.

Sendo assim, não é possível usar nos alimentos outros sais que não contenham sódio? Vejamos primeiramente as funções dos minerais presentes em outros sais comestíveis. O potássio (K), o cálcio (Ca) e o magnésio (Mg) são minerais que apresentam importantes moduladores na resposta pressórica ao sódio.

O K é o principal cátion intracelular e sua ingestão adequada (4,7 g/dia) contribui para a manutenção dos níveis normais da pressão arterial, reduzindo os efeitos adversos do consumo de sal — diminui o risco de formação de cálculos renais e, provavelmente, da perda de massa óssea. Dietas ricas em K podem exercer papel na prevenção e tratamento da hipertensão arterial. Vegetais verdes, frutas, batatas, leite, água de coco e feijão são fontes ricas em K.



O Ca, principal constituinte dos ossos e dentes, tem papel controverso nos níveis de pressão arterial, parecendo haver correlação entre a hipertensão arterial e dietas com menos de 600 mg/dia de Ca. Suas principais fontes são: leite e derivados, vegetais verdes, sardinhas e mariscos. Alguns estudos buscam estabelecer uma correlação entre o Mg e a pressão arterial. Dietas ricas em Mg parecem reduzi-la apenas em pacientes com hipomagnesemia (baixo conteúdo de magnésio no sangue). Suas principais fontes são também os produtos lácteos e os vegetais verde-escuros. A recomendação atual para os hipertensos é uma reorientação alimentar para uma dieta rica desses minerais, K, Ca e Mg (Jardim, Monego e Reis, 2004).

Entretanto, cada sal possui um poder de salga e um limiar de detecção (concentração mínima com que é percebido mediante degustação) próprios, que variam com a composição química do meio em que o sal é adicionado. Além disso, alguns sais conferem gostos e sabores indesejáveis, como gostos amargo e ácido, sabores adstringente, metálico ou de remédio. Desta forma, substituir total ou parcialmente o cloreto de sódio por outro sal em um alimento não é tarefa simples, exigindo a condução de estudos multidisciplinares que avaliem seu efeito sobre a vida útil do produto. Em outras palavras, por quanto tempo o produto estará seguro à saúde do consumidor e com qualidades física, química, nutricional e sensorial satisfatórias, principalmente do ponto de vista do consumidor, ou seja, o quanto ele está gostando da aparência, aroma, sabor e textura do novo produto.
Comercialmente, existe o sal light, composto por uma mistura de cloreto de sódio e de cloreto de potássio. Porém, este sal ainda é pouco conhecido e consumido no Brasil.

Docentes do Laboratório de Tecnologia de Alimentos, do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) da UENF, vêm desenvolvendo pesquisas visando à determinação de diversos minerais em alimentos, bem como o desenvolvimento e otimização de alimentos hipossódicos, tanto para preparo doméstico ou industrial, procurando atender, sobretudo, à demanda dietética de portadores de necessidades especiais.

* Professoras do Laboratório de Tecnologia de Alimentos (LTA) do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) da UENF

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Encalhe de baleias


Segundo pesquisadora da UENF,  aumento do número de encalhes pode ter sua origem no aumento populacional da espécie  

No início deste mês, pudemos acompanhar o caso de uma baleia encalhada no litoral Norte Fluminense, no município de São Francisco do Itabapoana. Situações como esta são cada vez mais comuns, visto que nos últimos anos houve um aumento significativo no número de baleias encalhadas no litoral do Brasil. A maioria delas pertence à espécie Megaptera novaeangliae, também conhecida como baleia-jubarte, que possui um importante sítio reprodutivo e de cria de filhotes ao longo da costa brasileira, principalmente no litoral sul do estado da Bahia.

Segundo a professora Ana Paula Di Beneditto, do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF, em geral os registros de encalhes no litoral sudeste do Brasil são realizados entre os meses de agosto a novembro, quando as baleias estão retornando da área de reprodução para as áreas de alimentação, no continente Antártico.

- Na área de reprodução os indivíduos não se alimentam (ou pouco se alimentam), e fazem uso de sua reversa energética na forma de gordura. Os animais mais velhos ficam mais suscetíveis nesse período, o que é um processo natural – diz.

Porém, existe uma dificuldade na retirada do animal devido ao seu tamanho. Muitas vezes a carcaça fica na praia durante vários dias, exposta ao contato humano. Para Ana Paula, estes casos são um problema de saúde pública.

- Há dois destinos que podem ser dados às carcaças de modo a minimizar o problema: rebocar para alto mar, bem distante da linha de costa, ou levar para um aterro sanitário – diz a professora, destacando que, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, nem todas as baleias encalham vivas. Muitas, quando chegam à costa, já estão mortas há dias.

- As carcaças de baleias podem chegar com marcas de hélices, caracterizando colisão com embarcações, mas não se pode afirmar se a colisão ocorreu antes ou depois da morte do animal. Há também a situação em que a carcaça já encalha em avançado estado de decomposição, não sendo possível análise da causa mortis – afirma.

Segundo Ana Paula, o crescimento do número de encalhes de baleias no litoral do Brasil ao longo dos anos pode ter sua origem no aumento populacional da espécie, uma vez que existem leis nacionais e internacionais que proíbem a sua caça ou molestamento intencional. Em nossa região, a maioria dos encalhes se deve a causas naturais e, por isso, não há muito o que fazer para evitar, pois, em geral, o animal já chega à costa debilitado.

- Causas naturais que levam as baleias a encalhar fazem parte do processo de seleção natural de indivíduos mais velhos ou fisicamente debilitados – explica Ana Paula.

Rebeca Picanço

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Medos distintos ativam áreas diferentes do cérebro

Pesquisa da USP pode ajudar a compreender problemas como síndrome do pânico e estresse pós-traumático

O estudo foi capa da Nature Reviews
Estudos realizados nos últimos anos por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos mostraram que, ao contrário do que se pensava anteriormente, tipos distintos de medo – como o medo de estímulos dolorosos, o medo de predadores naturais e o medo de membros agressivos da mesma espécie – são processados em circuitos neurais independentes entre si.

Além de distinguir as vias neurais de processamento dos “medos instintivos” e de diferentes tipos de “medos aprendidos” –, os pesquisadores também descobriram que esses mecanismos podem se reproduzir também em seres humanos. Com isso, os estudos poderão contribuir para uma melhor compreensão sobre problemas como síndrome do pânico e estresse pós-traumático.

As pesquisas, coordenadas por Newton Canteras, do Laboratório de Neuroanatomia Funcional do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) – realizadas com apoio do Projeto Temático “Bases neurais dos comportamentos motivados”, da FAPESP, foram capa da revista Nature Reviews Neuroscience de setembro.

Segundo Canteras, os estudos realizados em ratos no ICB-USP se basearam na indução nos animais de estímulos de “medos instintivos”, que se caracterizam como um mecanismo de sobrevivência, e de “medos aprendidos”, que são culturais e adquiridos ao longo da vida.

“Um dos pontos importantes destacados no artigo foi a descoberta de que, em roedores, o circuito relacionado ao medo causado por ameaça de um predador natural pode ser o mesmo circuito acionado em seres humanos quando eles enfrentam ameaças à própria vida. Esse achado poderá nos ajudar a entender situações como o estresse pós-traumático”, disse Canteras à Agência Fapesp.
De acordo com Canteras, quando o tema começou a ser estudado por seu grupo, por volta de 1995, predominava na comunidade científica uma teoria unitária de organização das respostas de medo no sistema nervoso.

“Esse processo foi descoberto a partir de experimentos que associavam um estímulo doloroso – como um choque, por exemplo – e um som ou ambiente específico. Depois de ser submetido a essa associação várias vezes, o animal apresentava uma reação de medo ao ser exposto ao som ou ambiente, mesmo sem o estímulo doloroso. Achava-se que esse tipo de experimento era suficiente para explicar integralmente a reação de medo”, disse.

No entanto, quando começaram a estudar o sistema neural que está envolvido com uma situação natural de medo, os pesquisadores da USP perceberam que os mecanismos não eram tão simples quanto pareciam.

“Quando testamos a exposição do roedor a um gato, que é seu predador natural, descobrimos que a resposta de medo ativava uma região cerebral completamente diferente da que era ativada pelo medo de um simples estímulo doloroso. A partir daí passamos vários anos realizando estudos com foco na reprodução mais precisa de medos naturais”, afirmou Canteras.

Segundo o pesquisador, o animal é constituído de forma a ter uma reação de medo quando é exposto a algo que ameaça sua vida. Assim, as reações inatas de medo são divididas em duas categorias: a ameaça predatória – que é a presença de um predador – e a ameaça social, que é o medo de um animal agressivo da mesma espécie.

“O animal não aprende a ter esse tipo de medo, é uma reação inata. Descobrimos que não havia apenas distinção entre as vias neurais ativadas para a reação inata de medo e a reação de medo aprendido – que é o caso do estímulo doloroso –, mas o medo causado pelo predador e pela ameaça social também percorre caminhos diferentes no cérebro”, explicou.

Segundo Canteras, as descobertas foram consideradas importantes porque uma série de patologias humanas derivam do medo – como a ansiedade, a síndrome do pânico e o estresse pós-traumático.
“O fato de serem distintas as vias neurais do processamento do medo tem várias consequências. Um indivíduo que toma um choque não entra em pânico quando vê uma tomada posteriormente. Mas quem foi assaltado e sofreu ameaça de morte, acaba tendo uma reação de pânico ao ser submetido a um estímulo associado àquele evento”, declarou.

Entender o sistema neural usado em cada situação nos ajudará a entender como são organizadas as respostas de medo aprendido. “As vias neurais do medo aprendido é que estão relacionadas às patologias humanas”, disse.

De acordo com Canteras, em 2010 se descobriu que os estímulos em um núcleo do hipotálamo – que era importante para que os ratos manifestassem o medo do predador – utilizam um circuito que também existe nos seres humanos e que possivelmente pode ser acionado em uma situação de ameaça de vida.

“O sistema que no rato está envolvido com a detecção de ameaças à vida – como a presença de predadores – está presente também no homem. O fato de haver esse paralelismo nos dá uma perspectiva de desenvolver abordagens para entender como esses mecanismos se organizam no cérebro humano”, declarou.

(Fonte: Agência Fapesp)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Coluna Infinitum


 Observando o céu: da Antiguidade aos dias atuais


Adriana Oliveira Bernardes
adrianaobernardes@uol.com.br

Desde de seu surgimento no planeta Terra, o homem sempre observou o céu. Os fenômenos mais comuns ligados aos astros principais — o Sol, a Lua e as estrelas — faziam parte de seu dia a dia.
O Sol nascia e se punha todos os dias e, assim como a Lua e as estrelas, era observado com atenção. O fato fez com que as pessoas acreditassem que estes se moviam e a Terra permanecia imóvel.

Na Antiguidade — período que compreende da invenção da escrita até o ano 3.500 a.C., no qual já era possível registrar a história —  o homem olhava com curiosidade os fenômenos que ocorriam no céu e os vinculava a castigos dos deuses.

Naquela época, as civilizações adoravam várias divindades. O monoteísmo surgiu muito tempo depois — as primeiras civilizações eram politeístas, isto é, acreditavam em vários deuses.

Eclipses, conjunção de astros, cometas, entre outros fenômenos poderiam significar para eles um indício de que estava po vir um período de guerra ou fome. Nesta época, as ideias sobre o mundo provinham das religiões. Assim, as primeiras cosmologias sofreram grandes influência destas crenças.

Cosmologia é a ciência que explica a origem, estrutura e evolução do universo.  Na Antiguidade surgiram algumas cosmologias. Segundo a cosmologia egípcia, por exemplo, o universo era formado pelo Deus da Terra (Geb), também considerado deus da morte, pela Deusa do Céu Nut, que era casada com Geb, e pelo deus do Ar (Shut), que sustentava o céu, apoiando-se sobre a Terra.



Cosmogonia egípcia: Geb, Shut e Nut


A cosmologia grega nos deu contribuições importantes, como as teorias Geocêntrica e Heliocêntrica.
A Teoria Geocêntrica, na qual a Terra é o centro do universo, predominou por muito tempo. Nela acreditaram grandes filósofos gregos, como Aristóteles e Ptolomeu, sem contar Hiparco, um dos maiores astrônomos de sua época. Só mais tarde apareceu a Teoria Heliocêntrica, na qual o Sol era considerado o centro do universo.

Aristarco de Samos, filósofo grego, foi o primeiro a cogitar que o Sol, e não a Terra, era o centro do Sistema Solar. O que, na verdade, significa o mesmo que o centro do universo, pois não se acreditava que houvesse mais nada além do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas.

As considerações de Aristarco foram feitas pensando nos tamanhos do Sol, Terra e Lua, que eram conhecidos na época. Como podia então o Sol orbitar a Terra sendo ele muito maior?

Copérnico (1473-1543), astrônomo e matemático polonês, retomou a teoria Heliocêntrica, que foi publicada quando já estava em seu leito de morte. Nesta época, as pressões para que a teoria Geocêntrica prevalecesse eram muito grandes.



Imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble da Galáxia

Observações do céu com cunho científico foram realizadas somente no século XVII e tiveram como precursor o físico e matemático italiano Galileu Galilei, que foi um grande colaborador para o fortalecimento da teoria Heliocêntrica, assim como o alemão Johannes Kepler.

O telescópio tal qual conhecemos hoje surgiu nesta época. Foi criado pelo alemão fabricante de óculos Hans Lippershey (1570-1619) e apenas aperfeiçoado por Galileu Galilei (1564-1642). Mas é bom ressaltar que o primeiro a utilizá-lo para observações do céu foi realmente Galileu.

Na época, o pensamento aristotélico prevalecia. Logo, a criação do telescópio contribuiu muito para que muitas destas ideias caíssem, como por exemplo a ideia de um mundo perfeito e imutável, que tornava-se insustentável com a descoberta das crateras da Lua e das manchas solares.

Tanto as crateras da Lua quanto as manchas solares foram descobertas por Galileu com o telescópio que ele aperfeiçoou. Galileu também foi o responsável pela descoberta de que Vênus tinha fases, assim como a lua.

A observação de que outros planetas também possuíam satélites como a Terra levava a crer que nosso planeta era apenas mais um no Sistema Solar.

A ciência faz parte do nosso dia a dia. Porém nem todo mundo se dá conta de que funcionamento de muitas coisas que fazem parte de seu cotidiano são de domínio da ciência.



Hershel com o telescópio construído por ele descobre o planeta Urano

 O entendimento da ciência é muito importante também para o cidadão comum. A ciência de modo algum pode ser vista como algo distante de nós. É algo que vivenciamos em nosso dia a dia, e compreendê-la torna nossa vida muito melhor.

Por isso é fundamental que se modifique o ensino nas escolas no que concerne ao aprendizado das ciências. Física, Química e Biologia precisam ser ensinadas de forma contextualizada nas escolas, ou seja, apresentando seu relacionamento com a vida cotidiana.




Telescópio Espacial Hershell

Hoje contamos com telescópios e sondas espaciais para observarmos o céu. Além do conhecido telescópio espacial Hubble, temos ainda outros importantes, como a sonda Kepler, o telescópio Herschel e também o Planck, além de vários outros.

A característica principal destes equipamentos é contribuírem  com os dados obtidos para novas teorias cosmológicas, que um dia substituirão a famosa teoria do Big Bang.


SUGESTÕES DE SITE:
Site do Telescópio Kepler:
http://www.kepler.nasa.gov

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Animais têm consciência?

Mamíferos são considerados mais evoluidos (foto Wikipedia)
Será que daqui a um século a humanidade vai considerar consensualmente inaceitável a forma como tratamos hoje os animais? Se depender de um grupo de cientistas reunidos na Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, não vai demorar tanto assim: eles lançaram em julho um manifesto defendendo a ideia de que os animais também têm consciência (saiba mais aqui). Para ajudar a melhorar a compreensão do nosso público sobre o tema, o Blog Ciência UENF ouviu o professor de Neurobiologia Arthur Giraldi, que assina a coluna “Um quê de neurociência”, aqui mesmo no blog.

Para o pesquisador da UENF, a consciência é uma questão complexa e não foi definida claramente no manifesto. Segundo Arthur, existe grande confusão quanto aos significados das palavras consciência, mente e cognição. Na definição do professor, mente seria o conjunto de processos (memória, análise, raciocínio, emoção) que permitem a capacidade de responder de forma analítica a estímulos externos. Isso exige uma circuitaria nervosa complexa, permitindo o que se chama de “plasticidade comportamental” — ou seja, a habilidade do animal em responder a estímulos de forma analítica, sempre alterando e melhorando seu desempenho na conclusão da tarefa. É diferente de uma resposta automática, estereotipada e reflexa que é observada na grande maioria dos invertebrados. Cognição seria o ato ou processo de conhecer, a expressão dos processos mentais, como atenção e percepção. E consciência seria uma qualidade da mente, uma faculdade resultante desta. É a capacidade de autorreconhecimento, da percepção de si e do externo como coisas distintas, sendo a base da subjetividade e da individualidade, mas que não necessariamente está presente em seres com mente.

Arthur Giraldi: "Este é o tema mais complexo"
— Este é um tema extremamente complexo e que tem diferentes visões e definições. É certamente o tema mais complexo de todos, na ciência e na filosofia. O único bem real que temos é o quê, senão a nossa consciência? Somos essencialmente seres solitários que apreendemos as coisas externas ao nosso cérebro pelos sentidos. E estas informações são filtradas e processadas pelo nosso cérebro. Logo, nossa consciência é formada por impressões e reconstruções da realidade feitas por ele — explica.

Seguindo a linha de “eminentes neurocientistas como Antônio Damásio e Michael Gazzaniga”, Giraldi diz que a consciência é uma emergência da mente. Primeiro mente, depois consciência.

— Que a maioria dos animais tem mente, isso é fato. Já vi relatos de que aranhas têm capacidade de memória e aprendizado, ainda que rudimentares. Mas daí a concluir que eles tenham consciência, é outra história. Ter plasticidade comportamental não é suficiente para dar título de “ser consciente” — defende.

Arthur Giraldi diz ter algum grau de segurança para concordar que os mamíferos tenham alguma forma de consciência, pela presença do neocórtex, embora este dado tenha sido minimizado pelo manifesto, a seu ver sem maiores explicações. Quanto aos vertebrados não-mamíferos e alguns invertebrados, diz o pesquisador, eles têm mente, mas não é certo que tenham consciência.

— Parece-me que o manifesto é mais para levantar a possibilidade do que para comprovar alguma coisa. Os tais cientistas certamente sabem que essa comprovação ainda não é possível — afirma.

Thaís Peixoto
Gustavo Smiderle

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Um quê de Neurociência


Córtex pré-frontal e funções executivas: a incrível semelhança entre o recente caso do operário carioca e o caso clássico do paciente Phineas Gage


                                                                                                            Arthur Giraldi Guimarães*


Na manhã do dia 16 de agosto deste ano, ocorreu um evento marcante na cidade do Rio de Janeiro. Um operário da construção civil, de 24 anos de idade, sofreu um terrível acidente: um vergalhão de ferro penetrou seu crânio, perfurando o seu cérebro e transpassando a região entre os olhos! Antes e depois da cirurgia para remoção da barra, mostrou-se consciente e lúcido, sem aparente mudança comportamental (vide links abaixo).

Quem é estudioso da Neurociência e viu as imagens da reconstrução da região perfurada a partir da tomografia, amplamente divulgadas na mídia (ver figura 1), deve ter tido a mesma impressão que eu: “Nossa! Igual ao caso do Phineas Gage!”. Idêntico não foi, mas foi muito semelhante, pois atingiu a mesma região do cérebro, a área pré-frontal do córtex cerebral (ou córtex pré-frontal) (ver figura 2).

Figura 1: Imagens feitas por tomografia computadorizada, mostrando a região perfurada pela barra no crânio do operário carioca. A região cerebral afetada foi o córtex pré-frontal. (Imagem extraída de: The Guardian)

Em 1848, nos EUA, Phineas Gage tinha 25 anos de idade e também era um operário da construção civil, responsável pela construção de trilhos de trem. O eminente neurocientista Antônio Damásio descreve e discute em detalhes o caso do Phineas Gage em seu excelente livro O Erro de Descartes. Como descrito por Damásio em seu livro, Gage era respeitado por seus colegas e considerado uma pessoa séria, competente, astuta, inteligente e persistente na execução dos seus planos de ação.

Na tarde do dia 13 de setembro daquele ano, durante a execução de uma tarefa cotidiana (a qual ele dominava muito bem), Gage cometeu um raro descuido e provocou uma explosão de pólvora antes do tempo. Isto impulsionou violentamente uma barra de ferro que segurava, de mais de um metro de comprimento e com uns 3 cm de diâmetro, que penetrou sua face esquerda e saiu pelo topo do crânio, indo cair a uns 30 metros de distância (ver figura 3).

Assim como o seu colega carioca dos nossos tempos, de forma surpreendente ele permaneceu consciente e lúcido mesmo logo após o acidente, respondendo às perguntas do médico e dos colegas e sendo capaz de descrever o ocorrido com clareza. Sobreviveu à infecção e foi dado como plenamente recuperado dois meses depois. Ele continuou com o mesmo quociente de inteligência (Q.I.), as mesmas habilidades motoras, visão, audição, memória  etc.

Mas, apesar disso, ele teve uma absurda mudança de personalidade, se tornando uma pessoa muito diferente do que era antes do acidente! Tornou-se uma pessoa desequilibrada, inconsequente, inconveniente, incapaz de planejar e direcionar sua vida. Foi como se tivesse virado “outra pessoa”, uma conversão total de personalidade e individualidade.

Figura 2: Localização do córtex pré-frontal dentro do crânio. (Imagem extraída de: Portal Educação)

Perdeu o emprego não por perda da competência, mas por se tornar um “mau caráter”. Perdeu os laços de amizade que tinha antes e não foi mais capaz de estabelecer vínculos afetivos e sociais duradouros, sem conseguir mais empregos fixos. Chegou a trabalhar como atração pitoresca de circo, exibindo sua ferida e sua barra. Quem antes era uma pessoa de valores e séria passou o resto da vida como um “cafajeste, inconsequente e indecente”.

Esse caso é clássico para a História da Neurociência porque serviu de base para a compreensão do envolvimento do cérebro na razão, emoção e personalidade, demonstrando o envolvimento do nosso córtex pré-frontal nessas propriedades cognitivas (provavelmente não foi o primeiro caso na história da humanidade, mas sim o primeiro a ser estudado mais aprofundadamente).

A partir do caso Gage, a Neurociência aprofundou os estudos e hoje sabemos que o córtex pré-frontal é responsável por um conjunto de funções cognitivas denominadas funções executivas. No geral, são o conjunto de processos que nos permitem planejar, tomar decisões e executar tarefas de forma organizada e premeditada. Estes processos são a memória de trabalho, o planejamento e organização, a atenção e concentração, o manejo do tempo, a metacognição (capacidade de “pensar sobre o pensamento”), as respostas inibitórias, a regulação do afeto, a iniciação de tarefas e os conceitos morais.

Lesões ou disfunções em áreas específicas dentro do pré-frontal, responsáveis por cada um destes processos, levam a alterações cognitivas correspondentes, como a perda da inibição do medo (sendo a base dos transtornos de ansiedade e do pânico), perda das associações morais e do sentimento de culpa (base da psicopatia), perda da capacidade de antever as consequências de uma ação que se pretende tomar, perda da capacidade de repensar sobre ações tomadas, perda da capacidade de concentração (sendo base para o déficit de atenção) etc.

Figura 3: Esquerda: Imagens da reconstrução feita a partir das perfurações do crânio do Phineas Gage, mostrando a provável localização da região perfurada no seu cérebro pela barra. Nota-se que a lesão foi integralmente dentro do córtex pré-frontal. Meio: O crânio de Phineas Gage e a barra de ferro, no museu da Faculdade de Medicina de Harvard. Direita: Foto recém-descoberta do Gage segurando sua barra (Imagens extraídas de: ciencia.folhadaregiao)

Um aspecto interessante sobre o córtex pré-frontal é que é a última região do cérebro humano e se desenvolver completamente. Isto ocorre só a partir dos 18 anos de idade. Portanto, o fato de os adolescentes serem normalmente impulsivos, inconsequentes, rebeldes e desfocados não é mera coincidência! E tem mais: o fato de uma pessoa ficar agressiva, inconveniente e descontrolada após beber muito álcool também não é mera coincidência, uma vez que o excesso de álcool tem ação inibitória sobre o pré-frontal.

Bom, ainda é cedo para saber que sequelas cognitivo-comportamentais o operário carioca terá. Mas é possível que tenha alterações semelhantes às que ocorreram com o Phineas Gage. Podem até ser diferentes, em função de ter afetado regiões diferentes dentro do pré-frontal, mas é provável que tenha alguma alteração nas suas funções executivas.

Ou então pode não ter sequela alguma, uma vez que o sistema nervoso é plástico e tem a capacidade de se reestruturar para recuperar danos. Façamos votos que seja isso que aconteça com o nosso carioca, sendo mais um dos diversos exemplos da capacidade restaurativa do nosso cérebro!

Para quem não viu o caso na mídia, um link para atualização: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/08/operario-perfurado-por-vergalhao-segue-em-uti-no-rio.html

Para os estudiosos e para os curiosos de estômago forte, esse é um link onde se podem ver imagens pré-operatórias do paciente carioca: http://www.wtfnoticias.com.br/2012/08/fotos-operario-do-rio-de-janeiro-teve.html


*Professor do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF.


SUGESTÃO DE LEITURA:

DAMÁSIO, Antonio R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Coluna Nutrição




Cereais


Karla Silva Ferreira*

Os principais cereais da dieta brasileira são o arroz, o milho e a aveia.

Os cereais são comercializados na forma de grãos (polidos, integrais ou com diferentes graus de extração), farelos ou farinhas. São todos alimentos  ricos em carboidraros, portanto possuem elevado valor energético.

Os cereais integrais são boas fontes de fibra, ácidos graxos, compostos antioxidantes (que combatem moléculas causadoras de danos às células), inclusive a vitamina E (que atua  na prevenção do câncer e no desenvolvimento aterosclerose) e minerais como o zinco, o magnésio e o fósforo, trio que atua no sistema imunológico e fortalecem os ossos. Os cereais integrais contêm todos os nutrientes do grão: vitaminas, minerais e proteínas. Já os não integrais, como o arroz polido, contêm praticamente só carboidrato.

Entretanto, os cereais integrais têm menor vida de prateleira. Alguns cereais integrais são fontes importantes de  proteína, embora estas não tenham o equilíbrio ideal entre os  aminoácidos essenciais, isto é, não são proteínas de elevada qualidade nutricional, exceto a quinoa.

Para ser integral, o cereal deve possuir as três estruturas intactas: farelo, endosperma e gérmen. O farelo é a parte externa, rica em fibras e vitaminas do complexo B. O endosperma constitui a maior parte do grão. Contém carboidratos em forma de grânulos de amido, além de proteínas. E o gérmen é a parte que contém maiores teores de vitaminas do complexo B,  vitamina E, gordura poliinsaturada e minerais.



O consumo de cereais integrais auxilia na perda de peso corporal e também em dietas de indivíduos pré-diabéticos e diabéticos.  Ingerindo estes alimentos, o esvaziamento gástrico é mais lento, e isso mantém a pessoa sem fome, uma vez que o cérebro recebe sinais de que o estômago está distendido, diminuindo assim a vontade de comer. Por serem absorvidos mais lentamente, também acarretam menor elevação nos picos de glicose sanguínea, o que é importante na prevenção e controle do diabetes.

Os níveis sanguíneos de lipoproteínas de baixa densidade (mau colesterol) também tendem a reduzir com o consumo de cereais integrais. Uma das explicações é que as fibras dos cereais integrais complexam com os sais biliares, que são produzidos a partir do colesterol, e que poderiam ser reabsorvidos se não estivessem complexados com fibras. Não sendo reabsorvidos, o fígado sintetiza mais ácidos biliares a partir do colesterol retirado das lipoproteínas de baixa densidade, reduzindo a quantidade das mesmas no sangue, o que é benéfico à saúde.

Outro mecanismo proposto para o efeito das fibras na redução das lipoproteínas de baixa densidade é pela produção de ácidos graxos de cadeia curta pelos microrganismos que habitam normalmente o intestino grosso. Estes microrganismos fermentam as fibras e excretam ácidos graxos de cadeia curta, que atuam no fígado reduzindo ali a síntese de colesterol. Além disso, tornam esta parte do intestino mais acidificada e inadequada para o crescimento de bactérias putrefativas que produzem substâncias cancerígenas.

Entretanto, o consumo elevado de produtos integrais pode prejudicar a absorção de outros nutrientes, principalmente os minerais. Isso porque eles são ricos em fitatos, substâncias que se ligam aos minerais, impedindo que sejam absorvidos. Dentre os minerais, os mais citados na literatura como sendo menos absorvidos são o cálcio e o zinco.

É importante também atentar para o fato de que o colesterol é uma substancia importante para o organismo. Faz parte do sistema nervoso, da estrutura das células e das lipoproteínas de alta densidade (bom colesterol), que são importantes para limpar as artérias. Entretanto, dependendo de características genéticas e dieta inadequada, haverá síntese elevada de colesterol e também de triacilglicerídeos, que juntos irão formar as lipoproteínas de baixa densidade. O colesterol contido nestas lipoproteínas, na ausência de vitamina E, pode ser oxidado e ser depositado nas artérias, formando as placas ateromatosas. Portanto, para evitar níveis elevados de lipoproteínas de baixa densidade, não adianta reduzir o consumo de colesterol. O colesterol do alimento não é o mais importante nestes casos, mas sim o produzido pelo organismo a partir dos carboidratos (principalmente doces) e gorduras consumidos em excesso associado ao sedentarismo.

Atualmente fala-se muito no glúten. Esta substância é um complexo de proteína e carboidrato presente em apenas alguns cereais e seus derivados: trigo, aveia, centeio e cevada. A ingestão de glúten por portadores de doença celíaca, que é uma alergia ao glúten, acarreta inflamação do intestino, resultando em diarreia, má absorção de nutrientes e desnutrição.

O Ministério da Saúde recomenda o consumo de seis porções diárias de cereais em uma dieta de 2000 Kcal. Com aumento do requerimento energético, deve-se aumentar a ingestão de cereais

* Professora do Laboratório de Tecnologia de Alimentos (LTA) da UENF.