quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Sobrevalorização do mercado imobiliário

Décio Coimbra
O mercado imobiliário em geral, e em especial o de habitação, é fundamental para o desenvolvimento da sociedade. O crescimento equilibrado e sustentado do mercado de habitação se reflete futuramente em qualidade de vida, porém, quando cresce com distorções na dinâmica de preços, pode gerar sérios problemas sociais. É o que afirma o engenheiro e pesquisador da UENF Sebastião Décio Coimbra, que também atua como professor da Universidade Candido Mendes (Ucam-Campos).

A questão motivou o trabalho de conclusão do curso de Príscilla Pinheiro e Társila Manhães, alunas de Engenharia de Produção da Universidade Cândido Mendes, realizado sob a orientação de Décio e coorientação do economista Alexandre Said Delvaux. Em outubro deste ano, um artigo baseado na pesquisa foi selecionado e apresentado no Encontro Nacional de Engenharia de Produção (ENEGEP), o maior evento na área do país, sob o titulo "Dinâmica de preços e análise de sobrevalorização no mercado imobiliário em uma cidade brasileira de médio porte".

— O assunto é bastante polêmico e de interesse geral no mundo e pelo Brasil afora. Em Campos, por exemplo, o preço do metro quadrado parece estar um pouco fora da realidade, impulsionado nos últimos anos pelo aumento da demanda devido aos megaprojetos anunciados para a região, como o Complexo Portuário do Açu — diz Décio.

A pesquisa é baseada em dados coletados em dez imobiliárias locais, considerando os bairros Alphaville, Jockey Club, Julião Nogueira, Parque Imperial e Pelinca, entre 2007 e 2011. O trabalho compara a valorização acumulada do preço do metro quadrado com a valorização acumulada dos aluguéis no mesmo período, considerando ainda a valorização dos índices de inflação do setor, como o INCC, adotado para o reajuste dos contratos de imóveis em construção, e o IGPM, adotado para o reajuste dos aluguéis.

— Enquanto os índices INCC e IGPM acumularam valorização, respectivamente, de 36,70% e 32,30%, os preços dos imóveis (padrão: apartamento dois quartos) tiveram valorização, na média, de até 171,90% o metro quadrado. Considera-se sobrevalorização quando o preço do metro quadrado não é acompanhado de valorização proporcional nos aluguéis, ou seja, o metro quadrado dos imóveis mostra valorização muito acima da valorização dos aluguéis — explica Décio.

Segundo o pesquisador, a sobrevalorização em curto prazo pode afugentar os novos investidores de forma a criar uma barreira para novos negócios, diminuindo a concorrência e gerando uma concentração do poder de compra.

— O principal problema é que isso se dá de forma sutil e só é visto como problema no longo prazo, quando seus efeitos se concretizam e o mercado tende a ajustar os preços para baixo. Quem comprou no pico e precisa vender pode não conseguir o preço que imaginou e quem investiu pode não ter como pagar, gerando um efeito dominó no setor — afirma.

Uma crise no setor imobiliário pode refletir em toda a economia local, afetando não só os profissionais da área, mas a sociedade como um todo. Em recente visita ao Brasil, o economista norte-americano Robert Shiller levantou a suspeita de que o fenômeno que ele chama de “bolha imobiliária” esteja ocorrendo também no Brasil. Segundo Décio, Shiller se baseou no aumento dos valores dos imóveis nos últimos cinco anos no país, período no qual os imóveis no Rio de Janeiro sofreram uma valorização de 225%, em São Paulo de 185% e no Distrito Federal de 115%.

Em Campos, os resultados da pesquisa mostraram fortes indícios de sobrevalorização nos bairros Parque Imperial e Julião Nogueira, com valorização do metro quadrado de, respectivamente, 94,80% e 82,60% acima da valorização dos aluguéis. Nos bairros Alphaville e Jockey, as sobrevalorizações respectivas ficaram em 46,30% e 22,50%. Já na Pelinca, a valorização não mostra indícios de sobrevalorização, pois está dentro de um patamar aceitável de 10% de variação devido a inconsistências nos dados.

Décio afirma que pretende continuar desenvolvendo pesquisas sobre o setor e já estuda a possibilidade de criar um índice de inflação do mercado imobiliário local, a exemplo do que existe em outras cidades, como Brasília.
 
— A ideia é que tal índice seja publicado periodicamente em um Boletim Informativo que explicaria as variações do período, a cada três ou seis meses, a partir de dados fornecidos por imobiliárias, cartórios e entidades do setor. Com este índice, o nível de informação para os tomadores de decisão e investidores aumentaria, possibilitando decisões mais pautadas em bases reais. Porém, isto vai além da esfera acadêmica, pois seria necessário estabelecer parcerias com as imobiliárias e entidades do setor.

Consulte o texto completo publicado no XXXIII Encontro Nacional de Engenharia de Produção

Rebeca Picanço


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O novo retrato da biodiversidade na Amazônia

Enquanto metade de todas as árvores da floresta pertencem a poucas espécies, há 6 mil espécies que contam com menos de 1 mil árvores; pesquisador da UENF participa de estudo publicado pela Science
Concentração de espécies na Amazônia (foto: Wikipedia)
Com participação da UENF, uma pesquisa de impacto mundial indica que existam cerca de 16 mil espécies de árvores na Amazônia, com um número total estimado de 400 bilhões de indivíduos para a chamada Grande Amazônia, que inclui toda a bacia e as Guianas. Mas metade de todas estas árvores pertence a uma parcela muito pequena (227 ou 0,01%) das espécies encontradas. O estudo, que conta com a participação do professor Marcelo Trindade Nascimento, do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da UENF, foi publicado pela revista Science (edição de 18/10/13), um dos mais prestigiados periódicos científicos do mundo. As pesqsuisas foram lideradas pelo pesquisador Hans ter Steege, vinculado ao Naturalis Biodiversity Center, da Holanda.

Os dados apontam ocorrer na Amazônia o que os cientistas chamam de espécies hiperdominantes. De acordo com Marcelo Trindade, a comunidade científica ainda não tem explicação segura para a grande concentração de árvores em poucas espécies. Mas algumas suposições sugerem que estas espécies, chamadas hiperdominantes, devem apresentar características particulares que as tornam mais resistentes a patógenos (organismos causadores de doenças) ou a herbívoros especialistas ou ainda mais capazes de competir por recursos tais como água e nutrientes do solo. Para o pesquisador, o mais provável é que estas espécies apresentem um conjunto de características, e não uma ou outra, que as auxilie a serem abundantes em determinados habitats.

Segundo Marcelo Trindade, embora o estudo não tenha feito análise sobre o grau de devastação, ele contribui para instruir iniciativas de preservação. É que grande parte das espécies são raras e próprias de um ou de poucos habitats, não estando uniformemente distribuídos na região, e por isso podem desaparecer se parte do seu habitat for destruído.

Para o pesquisador da UENF, a pesquisa reforça o consenso quanto à necessidade de uma política articulada de preservação da Amazônia, que inclua todos os diferentes habitats da região. Isto aponta para a necessidade de uma interação de esforços entre os países por onde a Amazônia se espalha.

- Não basta um país se esforçar, pois alguns habitats raros e importantes podem ocorrer apenas em outro país – explica.

Agora o desafio é identificar que características estariam relacionadas a cada uma das espécies hiperabundantes, antevê o cientista da UENF. Ele não descarta a possibilidade de que algumas destas espécies tenham atingido a hiperdominância com o auxílio de populações humanas anteriores à chegada do europeu à região, embora este padrão de explicação se adeque mais a espécies do grupo das palmeiras, seringueiras e cacau e não a outros.

Quanto à raridade das árvores pertencentes aos 99,99% das demais espécies (as não dominantes, especialmente 6 mil espécies com populações menores do que 1 mil  indivíduos cada uma), o pesquisador explica que esse padrão já é bem conhecido para regiões tropicais e está relacionado à história evolutiva das diferentes espécies, que em geral apresentam o que os estudiosos chamam de conservação de nicho ecológico. Como a região tropical é ambientalmente heterogênea, ela permite um aporte de grande número de espécies, sendo que algumas ocorrem ou já ocorreram (e se extinguiram) em habitats específicos. Mas isto também tem um significado importante:

- Ao se destruir ou reduzir uma área de determinada vegetação, diversas espécies passam a estar ameaçadas em função desta perda de habitat. Muitas espécies raras talvez nunca cheguem a ser coletadas justamente por conta da grande perda de habitat que vivenciamos diariamente no mundo e em especial na Amazônia – conclui.

Pesquisa mobiliza 25 brasileiros


Marcelo e doutoranda Lidiany Carvalho em RR (acervo pessoal)
O estudo publicado pela Science envolveu especialistas de 120 instituições de todo o mundo, incluindo cerca de 25 pesquisadores brasileiros, nos quais se inclui Marcelo Trindade Nascimento, do LCA/UENF. A pesquisa analisa dados compilados a partir de 1.170 levantamentos florestais em todos os principais tipos florestais da Amazônia e é tida como a primeira estimativa de abundância, frequência e distribuição espacial em larga escala de milhares de espécies de árvores amazônicas.

Marcelo Trindade tem se dedicado a estudos em florestas monodominantes (em que predomina uma espécie), em especial na Amazônia – particularmente a ocorrência da espécie Peltogyne gracilipes (roxinho ou pau-roxo), que só ocorre na região de Roraima, ou seja, é endêmica de lá. Seus dados e análises contribuíram para o conjunto de informações trabalhadas nas estimativas do trabalho global.

Como acentua matéria sobre a pesquisa divulgada pelo The Field Museum, de Chicago, Estados Unidos, os autores da pesquisa têm cautela em colocar muita ênfase no papel das espécies hiperdominantes. Permanecem em aberto se as hiperdominantes sozinhas são capazes de suportar a grande variedade de ecossistemas da Amazônia ou se são os outros 99% das espécies de árvores que desempenham o papel mais importante na malha de interações sem que o sistema inteiro entre em colapso.

Fúlvia D'Alessandri
Gustavo Smiderle