quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Coluna Nutrição - Corantes caramelo IV e III: o veneno que ingerimos sem saber



Corantes caramelo IV e III: o veneno que ingerimos sem saber


Pamela Oliveira Vargas, Karla Silva Ferreira e Luiz Fernando Miranda da Silva


Os aditivos alimentares têm sido cada vez mais utilizados no desenvolvimento de novos produtos com os objetivos de melhorar aroma, sabor, cor, textura e conservação. Ao considerar que o aspecto visual é um fator importante para a seleção e escolha do produto, os corantes destacam-se entre uma das classes de aditivos mais utilizadas. Seu uso poderia ser dispensado se não fosse a importância que os consumidores dão ao aspecto visual dos alimentos.(1)

Dentre os diversos tipos de corantes, os caramelos estão entre os mais utilizados pelas indústrias de alimentos. São utilizados para conferir cor escura a alimentos e bebidas. Existem quatro categorias de corante caramelo: caramelo I, Caramelo II, Caramelo III e Caramelo IV. A diferença entre eles é o processo de fabricação.

O caramelo I é um corante natural. Já os caramelos II, III e IV são corantes orgânicos sintéticos iguais ao natural. Os corantes caramelos III e IV são fabricados com amônia (processo amônia) que leva à formação de 4-metil-imidazol, substância que tem sido associada com o desenvolvimento de câncer, particularmente no intestino e pulmão, conforme demonstrado pelo Programa Nacional de Toxicologia do Governo dos Estados Unidos.(2) Na Tabela 1 são listados os tipos de corante caramelo, código e processo de fabricação.

A Agencia Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (Anvisa) estabelece que o teor do 4-metil-imidazol não deve exceder a 200 mg/kg de corante e que uma pessoa adulta de 60 kg pode consumir, sem riscos para a saúde, até 3 mg de 4-metilimidazol /dia, enquanto que, para uma criança de 30 kg, o consumo não deve ultrapassar 1,5 mg de 4-metilimidazol/dia. Com base nos cálculos dos teores de 4-metil-imidazol presente nos corantes e este nos alimentos, a Anvisa considera que sua  concentração em bebidas e alimentos encontra-se abaixo do limite máximo aceitável 3


Tabela 1: Tipos de Corante Caramelo, Código INS e Processo de Fabricação



Fonte: Informe Técnico n. 68, de 3 de setembro de 2015, ANVISA.

É interessante o fato de a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária utilizar como argumento para a utilização de corantes que contenham o 4-metil-imidazol o fato desta substancia ser formada no processamento e/ou cocção de alimentos. Por exemplo, ela cita o seguinte em seu informe técnico número 48: “Cabe ressaltar que os níveis de 4-metilimidazol encontrados pelos autores em
cafés   são maiores que aqueles obtidos para refrigerantes de cola. Apesar de os cafés não serem adicionados de corantes caramelos, o 4-metilimidazol pode ser formado durante o processamento térmico dos grãos, bem como em outros alimentos submetidos a aquecimento, inclusive no preparo caseiro”. Ora, se uma substancia prejudicial para a saúde já é encontrada naturalmente em alimentos tradicionais de uma população, o mais prudente é que não seja adicionada em nenhum outro alimento.(4)

O corante caramelo I, sendo um produto considerado natural, consta na lista dos corantes sem estabelecimento de limite de quantidade para uso (Legislação de corantes segundo as boas práticas de fabricação) (5). Já os demais (II, III e IV) não constam nesta lista, o que significa que existe um limite de ingestão acima do qual são prejudiciais para a saúde. Entretanto, as legislações específicas para adição de aditivos em alimentos não estabelecem quantidade máxima para estes corantes. A indústria pode colocar a quantidade que considerar necessária para obter o efeito desejado.(6)

 A alegação da Anvisa para isso é que a quantidade necessária para proporcionar o efeito desejado é abaixo da quantidade que poderia ser prejudicial para a saúde. Alega também que, se colocados em maior quantidade, antes de atingirem o nível máximo permitido, estes corantes acarretariam gosto indesejável no alimento.  No caso das bebidas não alcoólicas, eles podem ser utilizados na quantidade necessária para se obter o efeito desejado.(7)

Ora, se é assim, fica a pergunta: porque então tais corantes não estão na lista dos aditivos segundo as boas práticas de fabricação, isto é,  dos aditivos que podem ser utilizados na quantidade necessária para se obter o efeito desejado? Outra questão que nos intriga: por que as industrias optam por utilizar o corante caramelo IV ou III ao invés do caramelo I ou II? Certamente por questões tecnológicas e, ou custo de produção.

O panorama que se tem é que o corante caramelo IV é o mais utilizado nos alimentos e bebidas. Sua produção é de 200.000 toneladas/ano e representa 90% em peso de todos os corantes adicionados em alimentos e bebidas no mundo.(8)   A Coca-Cola tem sido o produto mais visado pela presença do corante Caramelo IV e, em consequência, do 4-metil-imidazol. Entretanto, outros refrigerantes e alimentos que contêm calda de caramelo também têm em sua formulação o Caramelo IV ou o III, como por exemplo temperos em tabletes, caldas de doces, guaraná, guaravita, pepsi, kuat, mineirinho, dentre outros. Quem quiser evitar a ingestão deste corante deve ler a lista de ingredientes dos alimentos e bebidas antes de comprá-los. As Figuras 1 e 2 são fotos de listas de ingredientes de alguns destes produtos.





De acordo com o Centro de Ciências de Interesse Público dos Estados Unidos, a Coca-Cola vendida no Brasil contém 267 mcg (microgramas) de 4-metil-imidazol em 350 mL (mililitros), ou seja, cerca de 267 mcg em uma latinha. Dentre os nove países citados por este centro, a Coca-Cola comercializada no Brasil é a que contém maior quantidade de 4-metil-imidazol. Essa é uma concentração muito elevada. A segunda maior concentração foi encontrada no refrigerante do Quênia, 177 mcg. E a menor, no Estado da Califórnia, Estados Unidos, apenas 4 microgramas.(9) Veja na Tabela 1 as quantidades de 4-metil-imidazol encontradas nos refrigerantes dos outros países.

O governo do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, estabeleceu que os fabricantes deveriam colocar uma advertência nos alimentos que contivessem mais que 29 mcg de 4-metil-imidazol. Ao invés de fazer este alerta para a população, a Coca-Cola optou por reduzir a quantia do corante utilizado na formulação de seu refrigerante na Califórnia.

A utilização de aditivos em alimentos suscita uma série de dúvidas, principalmente se a quantidade de cada aditivo ingerida pela população ultrapassa a quantia considerada segura para ser ingerida diariamente. Isso porque, até o momento, não existe obrigatoriedade legal para que as indústrias declarem as quantidades de cada ingrediente presente no alimento. O que é exigido pela legislação é que os ingredientes sejam escritos na lista de ingredientes começando pelo ingrediente utilizado em maior quantidade e finalizando com o utilizado em menor quantidade.

Tabela 2: Quantidade de 4-Metil-Imidazol   na Coca-Cola de alguns países



Contudo, o fato de não somente refrigerantes, como diversos  outros alimentos terem este tipo de corante em sua composição, torna o assunto preocupante, pois pode haver casos de ingestão superior ao limite aceitável. Os venenos são colocados à disposição das pessoas e estas não são informadas sobre a quantidade que podem estar ingerindo.

Sendo assim, por se tratar de uma substância comprovadamente carcinogênica, o bom senso diz que seu consumo deve ser evitado para excluir qualquer possível risco à saúde.


REFERÊNCIAS

1. ASHFAQ, N.; MASUD, T. Surveillance on Artificial Colours in Different Ready to Eat Foods. Pakistan Journal of Nutrition, v. 1, n. 5, p. 223-225, 2002.
2. NATIONAL TOXICOLOGY PROGRAM et al. Toxicology and carcinogenesis studies of 4-methylimidazole (Cas. No. 822-36-6) in F344/N rats and B6C3F1 mice (feed studies). National Toxicology Program Technical Report series, n. 535, p. 1, 2007.
3. BRASIL. ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Informe Técnico nº 68, de 03 de setembro de 2015 -. Classificação dos corantes caramelos II, III e IV e dos demais corantes autorizados para uso em alimentos.
4. BRASIL. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Informe Técnico nº 48, de 10 de abril de 2012 – Esclarecimento sobre a segurança de uso do corante Caramelo IV – processo sulfito amônia (INS 150d).
5. Brasil. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 45, de 03 de novembro de 2010. Dispõe sobre aditivos alimentares autorizados para uso segundo as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de novembro de 2010.
6. BRASIL. Resolução nº 34, de 09 de março de 2001. Regulamento Técnico que aprova o uso de Aditivos Alimentares, estabelecendo suas funções e seus limites máximos para a Categoria de Alimentos 21: Preparações culinárias industriais", constante do Anexo desta Resolução. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 de março de 2001.
7. BRASIL. Resolução nº 5, de 15 de janeiro de 2007. Anexo com lista de aditivos para uso em bebidas não alcoólicas.  Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 de janeiro de 2007.
8. NETO, R. C. M. Dossiê dos Corantes. Food Ingredientes Brasil, n. 9, 2009.
9. CSPI - Center for Science in the Public interest. http://www.cspinet.org/new/201206261.html

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Coluna Nutrição: Carnes brancas x carnes vermelhas




Carnes brancas x carnes vermelhas


Vanessa Alves Henrique, Karla Silva Ferreira e Luiz Fernando Miranda da Silva 


Carnes são os tecidos musculares dos animais, como os músculos e as vísceras. Os tecidos musculares possuem a função de fornecer estrutura e movimento aos animais e as vísceras, funções específicas propiciando integração entre todo o organismo animal. Então, porque algumas carnes são vermelhas e outras mais claras? As carnes brancas são mais saudáveis que as vermelhas?

O que define a cor da carne é o teor de mioglobina. A mioglobina é um complexo que possui um átomo de ferro (Fe) no centro. Esta substância possui a função de armazenar oxigênio nos tecidos dos animais. O oxigênio é necessário para a produção de energia, para que o animal possa se movimentar e realizar suas atividades corporais O ferro ligado na mioglobina é melhor absorvido que outros tipos de ferro presente nos alimentos de origem vegetal (Figura 1).


Os animais que precisam de uma reserva maior de oxigênio têm maior teor de mioglobina no músculo, portanto esta carne terá coloração mais avermelhada. O exemplo mais característico é a baleia, que precisa de oxigênio para produzir energia quando submersa. Desse modo, ela possui elevada quantidade de mioglobina e sua carne apresenta coloração vermelha acentuada. Outros animais (como o beija-flor e o peixe) possuem um sistema cardiovascular (veias e artérias) eficiente em carrear sangue (rico em oxigênio) para o músculo, assim, não será necessário armazenar grande quantidade de oxigênio, consequentemente, terão menor quantidade de mioglobina e a carne será mais clara (Figura 2).



Dentro de uma mesma espécie, tanto a idade do animal quanto a atividade muscular afetam o teor de mioglobina. Alguns animais mais velhos têm o sistema cardiovascular mais desenvolvido. Desse modo, eles conseguem carrear sangue (rico em oxigênio) com maior rapidez para os músculos, tendo assim, uma carne mais branca (menos mioglobina). Como também, um animal que realiza atividade muscular intensa pode ter a carne mais escura porque precisa armazenar maior quantidade de oxigênio para produzir mais energia.

Portanto, a carne vermelha tem maior quantidade de ferro do que a carne branca, já que possui maior teor de mioglobina. Nos tipos e quantidade dos demais componentes, as carnes são muito semelhantes. Possuem elevado valor nutritivo, sendo fonte de proteínas de alto valor biológico (compostas por aminoácidos essenciais), de minerais como magnésio (Mg), fósforo (P), zinco (Zn) e das vitaminas do complexo B. Por outro lado, não são fontes de vitamina C, carboidratos, cálcio e nem fibras. Observe a composição dos diferentes tipos de carne na Tabela 1.



A gordura é um nutriente que só é metabolizado na presença de oxigênio. Por este motivo, há uma tendência de que as carnes vermelhas possuam também maior quantidade de gordura no interior dos músculos.  Entretanto, há cortes de carne de boi com teores baixos de gordura. A tabela 1 apresenta os teores de proteínas, lipídios e ferro de diferentes tipos de carne. Observa-se que os teores de proteínas são semelhantes. Os teores de gordura e de ferro são os que mais variam.
Na tabela 2 é apresentado o valor nutritivo de alguns vegetais. Estes alimentos, com poucas exceções, possuem baixos teores de ferro, gordura, proteínas e vitaminas do complexo B. Eles se destacam por serem fontes de vitamina C e fibras. 



De acordo com a OMS, as carnes podem conter substâncias químicas prejudiciais para a saúde formadas durante o processamento e/ou cozimento. As mais conhecidas são compostos contendo nitrogênio derivados dos aminoácidos das proteínas. Estas substâncias são formadas durante a queima de proteínas nos processos de fritura, churrasco e defumação. Algumas dessas substâncias são consideradas carcinogênicas e outras com fortes suspeitas de afetarem o organismo negativamente. Portanto, as carnes de peixe, galinha, frango entre outras classificadas como brancas, tem o mesmo potencial cancerígeno que a carne vermelha. 

Considerando a composição das carnes, pode-se afirmar que são alimentos muito nutritivos, mas devem ser ingeridas com moderação. A quantidade máxima de carne “in natura” que se deve ingerir por dia são 150 gramas. Lembre-se que elas não devem passar por processamento que possa queimar suas proteínas e nem terem adição de sais de cura. Portanto, é importante também evitar os embutidos.

 Referências Bibliográficas

1. International Agency for Research on Cancer; World Health Organization. IARC Monographs evaluate consumption of red meat and processed meat. Comunicado de imprensa, Nº 240, 26 de Outubro de 2015.
2. World Health Organization. Q&A on the carcinogenicity of the consumption of red meat and processed meat. Disponível em: <http://www.who.int/features/qa/cancer-red-meat/en/> Acesso em 14 de setembro de 2016. 
3 -  UNICAMP. TACO - Tabela Brasileira de Composição de Alimentos. 4ªEdição. Campinas .SP, 2011.
4. Damodaran, S; Parkin, K; Fenema, O. Química de Alimentos de Fenema. 4a Edição. Porto Alegre: Artmed, 2010.