terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Coluna Nutrição - Soja: alimento de alta qualidade para ser consumido com moderação




Soja: alimento de alta qualidade para ser 

consumido com moderação


Luiz Fernando Miranda da Silva e Karla Silva Ferreira

A soja é uma leguminosa, assim como o feijão, ervilha, grão de bico, amendoim, lentilha, e é muito nutritiva. O Brasil perde apenas para os EUA como maior produtor de soja no mundo (95 milhões de toneladas), tendo sua maior produção destinada ao mercado externo. A partir da soja, produz-se diversos subprodutos como extrato de soja, farinha, missô, shoyo, óleo de cozinha, bebida de soja, tofu, lecitina e proteína texturizada, concentrada ou isolada. Na Figura 1, é mostrada a composição do grão de soja; na Tabela 1, o valor nutritivo de alguns de seus derivados; e, na Figura 2, alguns exemplos de produtos derivados da soja.






A soja é rica em proteínas de alto valor biológico, ou seja, possui elevado teor de aminoácidos essenciais e eles são bem absorvidos e utilizados pelo organismo. A soja A qualidade se assemelha às boas proteínas de origem animal. Àqueles que optam por dietas vegetarinas têm na soja a melhor opção proteica entre os vegetais.  A soja, assim como o feijão, forma boa combinação com o arroz, pois a soja é rica no aminoácido essencial lisina e pobre em metionina, também uma aminoácido essencial, ao contrário do arroz, que é pobre em lisina porém rico em metionina. Já existem no mercado diversos suplementos a base de proteína isolada da soja (que já possui tratamento térmico) destinado a casos especiais de saúde, como desnutrição, intolerância a lactose, galactosemia e alergia a proteínas do leite. A soja, assim como o feijão, contem fatores antinutricionais, que podem ser inativados com tratamento térmico.



Dentre os carboidratos presentes na soja estão os oligossacarídeos (rafinose, estaquiose e sacarose) e amido. Os oligossacarídeos, no intestino grosso, podem ser utilizados pelas bactérias benéficas no intestino, estimulando o crescimento desta bactérias mas acarretando a produção de gases. As fibras são do tipo insolúvel (hemicelulose, celulose e lignina) e solúvel (a pectina, principalmente). Por ser rico em fibras alimentares, contribui para o melhor funcionamento do intestino.

A soja possui lipídios de boa qualidade e essenciais para o ser humano. Além de possuir altos teores do ácido graxo linoleico (um ômega-6) é um dos poucos óleos que nos fornece quantidade satisfatória do ácido graxo essencial ácido alfa-linolênico (um ômega-3). Estes ácidos graxos são essenciais para constituir membranas de células, hormônios que controlam o sistema imunológico, impulsos elétricos para comunicação entre neurônios, coagulação sanguínea, vasodilatação, broncodilatação, redução do LDL-colesterol. Entretanto, o consumo de ômega 3 e ômega 6 deve ser equilibrado, de forma que o excesso de ômega 6 pode provocar inflamação desnecessária e o excesso de ômega 3 pode favorecer hemorragia. A presença de ômega 3 em quantidades adequadas ajuda a amenizar o excesso de produção de substâncias inflamatórias. O Ministério da Saúde recomenda que o consumo de ômega 6 provenientes dos vegetais (ácido linoléico) deva ser 15 g ao dia, e ômega 3 (alfa-linolênico) 2 gramas ao dia. Na Tabela 2 pode-se comparar o teor de ácidos graxos ômega 3 e 6 do óleo de soja com outros óleos e azeites vegetais.



Devido ao fato de apresentar elevado teor de ácidos graxos poli-insaturados, o óleo se oxida com maior facilidade durante o armazenamento e quando submetido a altas temperaturas.  Observe que o óleo de soja possui altas quantidades de ácidos graxos poli-insaturados, o que inclui os ômega-6 e ômega-3.  Apenas o óleo de canola possui quantidade de ácido essencial alfa-linolênico superior ao de soja. Entretanto, esta diferença só é expressiva quando é observado em 100 g de óleo. Na quantidade de óleo que se usa no refogado (2 colheres de sopa, aproximadamente 11,2 g), a diferença é insignificante, o que torna o óleo de soja mais viável em termos de qualidade e custo.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária considera a proteína da soja como alimento funcional e recomenda a ingestão de 25 g ao dia para ajudar na redução das lipoproteínas de baixa densidade do sangue (LDL-colesterol). Esta recomendação também é adotada nos Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul. Filipinas, Indonésia e Colômbia. A soja também é rica em antioxidantes, como as isoflavonas, que ajudam a prevenir doenças crônicas, como câncer de mama, diabetes e doenças cardiovasculares. A ingestão da soja também está associada à redução do índice glicêmico em dieta mista, uma vez que a isoflavona ginesteína pode estimular o pâncreas a produzir insulina e as fibras retardam a absorção da glicose dos alimentos ingeridos junto à soja. O campo de estudo da soja sobre o controle da glicemia ainda precisa ser melhor explorado, tendo em vista que as pesquisas foram realizados in vitro e com animais roedores.

Existe a polêmica de que o consumo regular da soja possa causar características femininas em homens e provocar distúrbio no funcionamento da tireoide em humanos.  Este fato é atribuído às isoflavonas, pois algumas têm a estrutura molecular semelhante aos hormônios femininos (estrógeno), de forma que elevado consumo poderia causar aumento do tecido mamário em homens (ginecomastia). Entretanto, há poucas evidências que sustentam esta hipótese e estudos mostram que as isoflavonas apresentam-se na forma glicosilada, o que não teria efeito hormonal.  Diversos estudos têm indicado que as isoflavonas (genisteína e daidzeína) possam inibir o processo de iodação para síntese de hormônios tireoidianos e provocar baixo funcionamento da glândula a até causar bócio.

Entretanto, é importante ressaltar que estes efeitos negativos apenas ocorrem com ingestão de quantidade muito elevada de isoflavona. O teor de isoflavonas na soja varia de acordo com as cultivares, sendo em média 267 mg/100 g de soja, majoritariamente na forma glicosilada. A ingestão diária de 25 g de soja, que é a quantia recomendada pela Anvisa para efeito funcional conteria, em média,  66,7 mg /100 g de isoflavonas, o que é inferior à quantidade necessária para causar efeitos indesejáveis. Por exemplo, na pesquisa que demonstrou aparecimento de ginecomastia em homens, a ingestão de isoflavonas foi de 360 mg por dia por meio da ingestão de 3 litros de bebida com extrato de soja. A população japonesa consome grande quantidade de derivados da soja fermentados, como tofu, missô, natto, tempeh, que possuem baixo teor de isoflavonas, pois do contrário poderia acarretar efeitos colaterais na produção de hormônios tireoidianos. O consumo de isoflavonas pelos japoneses é de 22 mg ao dia, em média.

No que tange à prescrição de soja como fonte de isoflavina para alívio dos sintomas do climatério, a American Heart Association esclarece que não se deve recomendar a soja para este fim, tendo em vista que não há comprovação deste efeito.

Portanto, de acordo com as pesquisas realizadas até o momento, pode-se concluir que o consumo em quantidade não excessivas de soja e/ou seus derivados traz benefícios à saúde, mas é bom atentar para a necessidade de diversificar as fontes de proteína da alimentação. A soja não deve ser a única ou principal fonte proteica da dieta para evitar que seu consumo seja excessivo ao ponto de acarretar efeitos adversos pelos fatores antinutricionais e disfuncionais que ela possui.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) BRASIL, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Lista de alegações aprovadas. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/alimentos/comissoes/tecno_lista_alega.htm. Data de acesso: 7 de fevereiro de 2017.
2) BRASIL, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Comissões tecnocientíficas de Assessoramento em Alimentos Funcionais e Novos Alimentos. 20 de julho de 2004. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/alimentos/comissoes/tecno_bk.htm. Data de acesso: 16 de fevereiro de 2017.
3) Costa NMB, Rosa COB. Alimentos funcionais. 2a edição. Rio de Janeiro. Rubio. 2016. 479p.
4) ILSI. Soja como uma fonte de proteína de alta qualidade. 2016. Disponível em: http://ilsibrasil.org/wp-content/uploads/sites/9/2016/08/Livro-soja-ONLINE-com-capa.pdf. Data de acesso 20 de fevereiro de 2017.
5) Lajolo FM, Menezes EW. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos/TBCAUSP. Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental FCF-USP. Disponível em http://www.intranet.fcf.usp.br/tabela/. Data de acesso: 07 de fevereiro de 2017.
6) UNICAMP - NEPA – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO). 4ª ed. Campinas, 2011. 161p.
7) Silva CE, Carrão-Pazzini MC, Mandarino JMG, Leite RS, Mônaco APA. Teores de isoflavonas em grãos inteiros e nos componentes dos grãos de diferentes cultivares de soja (Glycine max (L.) Merrill). Braz. J. Food Technol, 15(2):150-156, 2012.
8) Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. O benefício do consumo da proteína isolada de soja nas diferentes fases da vida. 2016. Disponível em http://sban.cloudpainel.com.br/source/Proteina-Isolada-Soja.pdf. Data de acesso: 9 de fevereiro de 2017.
9) Sacks FM, Lichstenstein ADSc, Van Horn L, Harris W, Kris-Etherton P, et al. Soy Protein, Isoflavones, and Cardiovascular Health: An American Heart Association Science Advisory for Professionals From the Nutrition Committee. Circulation 2006;113:1034-44.

Nenhum comentário:

Postar um comentário